da Agência Brasil
Com a democratização do acesso à política, candidatos
desconhecidos lançam mão de táticas cada vez mais chamativas para conquistar
potenciais eleitores. Embora a maioria se limite ao viés cômico, alguns
candidatos apostam em propagandas que ficam no limite entre a liberdade de
expressão e de ideias, permitida no regime democrático, e práticas ilegais,
proibidas pela legislação eleitoral e pela legislação comum.
Em Florianópolis, a candidatura de Lucas de Oliveira ao cargo de vereador
virou caso de polícia. Defendendo a legalização da maconha como principal
proposta de campanha, ele imprimiu a folha da cannabis sativa em seu
material de divulgação, e distribuiu santinhos junto com trituradores da erva e
papel de seda, usado para consumo da droga.
O candidato alegava o direito de defender a legalização da droga, conforme
decisão recente do Supremo Tribunal Federal, mas a campanha foi barrada nesta
semana pela Justiça Eleitoral do estado. Em sua decisão, o juiz Luiz Schuch
afirma que a campanha “chega a ser chocante pela ousadia e desrespeito à
legislação eleitoral e penal". O promotor de Justiça Sidney Dalabrida pediu a
instauração de inquérito policial para investigar Oliveira por tráfico de drogas
devido ao material apreendido com o candidato.
Atualmente, a legislação eleitoral proíbe que candidatos usem a propaganda
para prometer vantagens, incitar a guerra e a violência, promover preconceito de
raça ou de classes, instigar a desobediência às leis ou atacar os símbolos
nacionais. Críticas entre rivais são permitidas, desde que os candidatos não
pratiquem injúria, calúnia ou difamação.
A lei é vaga, no entanto, ao dizer que os candidatos não devem empregar
“meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública,
estados mentais, emocionais ou passionais”. Isso abre brecha para que algumas
situações só possam ser decididas caso a caso, quando levadas à Justiça.
“Esse é um fenômeno novo. É um assunto muito delicado, então é preciso ter
cautela para verificar o que essas propagandas querem passar”, analisa o
advogado eleitoral Marcelo Ribeiro, que ocupou vaga de ministro do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) nos últimos oito anos. Segundo Ribeiro, esses casos
raros sequer chegaram ao TSE, o que dá certa liberdade aos candidatos para
avançar em campanhas poucos ortodoxas.
É o caso da exploração da sexualidade. No Ceará, a ex-stripper
Déborah Soft usa um decote generoso em seu santinho, enquanto em São Paulo a
candidata Suelem Aline Mendes Silva, autodenominada Mulher Pêra (como registrado
no TSE), postou em seu site oficial uma foto só de calcinha, com o
número de registro eleitoral gravado nas nádegas. “Quando a alusão à imoralidade
extrapolar o senso comum, o principio de liberdade de expressão pode ser
relativizado”, analisa Marcelo Ribeiro.
Para o advogado eleitoral Rodrigo Lago, embora não esteja prevista na lei
eleitoral, a exploração de obscenidade com corpus nus ou seminus por candidatos
pode ser enquadrada na legislação comum, que proíbe crimes contra a dignidade
sexual. Apesar de ser favorável à intervenção mínima da legislação eleitoral no
processo político, o advogado acredita que a defesa de uma plataforma pela
liberação sexual, de drogas e de porte de armas, por exemplo, não dá ao
candidato imunidade para agir como quiser durante a campanha.
“Seria lícito alguém fazer campanha pela maior liberdade sexual, mas não
pode, a esse pretexto, aparecer na propaganda sem roupas. Também parece ser
lícita a propaganda que exibe um beijo gay, desde que esse beijo não se
apresente como um ato obsceno”, argumenta Lago.
Em Joinville (SC), a exibição de um beijo gay na campanha do
candidato a prefeito Leonel Camasão também foi parar na Justiça, mas por
iniciativa do próprio candidato. Ele procurou o Ministério Público depois que um
jornal local publicou que o beijo era “tão asqueroso quanto alguém defecar em
público ou assoar o nariz à mesa”. O colunista responsável pela afirmação e o
periódico estão sendo processados, mas ainda não há notícia de processo para
tirar a campanha do ar.
Para o promotor de Justiça Rodrigo Zilio, algumas plataformas não são apenas
polêmicas, mas impossíveis de serem cumpridas. É o caso da legalização de
drogas, que só pode ser definida na esfera federal, e não por legislação
municipal. “Caso o candidato induza o eleitor a erro, é possível pedir ao juiz
que limite essa campanha, sob pena do crime de desobediência”. O promotor lembra
que a interferência em campanhas só pode ser solicitada pelo Ministério Público,
partidos, coligações e candidatos.
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