Os mais de 200 anos do futebol já viram incontáveis casos de
corrupção em todo o mundo. De partidas compradas, com placares
pré-determinados, aos campeonatos envoltos em resultados obscuros, já se
viu de tudo. E nem mesmo o maior evento da modalidade, a Copa do Mundo,
está a salvo. Os últimos dois Mundiais — 2006 na Alemanha e 2010 na
África do Sul — não deixam dúvidas: a corrupção persiste. E no Brasil,
sede da próxima Copa, a história pode se repetir.
A prisão de cinco dirigentes do futebol sul-africano — entre eles o
presidente da Safa (Confederação de Futebol do país), Kirsten
Nematandani — na semana passada fez retornar aos holofotes, para
desgosto da Fifa, o submundo da bola no planeta. Quatro dos cinco jogos
preparatórios da África do Sul teriam sido armados, com participação de
apostadores, mais notadamente da Ásia, tida como polo da corrupção
futebolística no planeta.
Segundo apurações da própria Fifa, os amistosos dos sul-africanos
contra Tailândia, Bulgária, Guatemala e Colômbia foram arranjados em
benefício ao apostador cingapuriano Wilson Perumal e sua organização, a
Football 4U. O nome em questão foi preso na Finlândia por financiar
jogos arranjados na liga do país europeu, além de envolvimento com a
corrupção que se alastrou pelo futebol do Zimbábue entre 2007 e 2009.
Quatro anos antes do Mundial de 2010, na Alemanha, o Brasil bateu a
seleção de Gana por 4 a 0, em partida válida pelas oitavas de final, e
avançou para depois ser derrotado pela França. A derrota africana, como
se comprovou pouco tempo depois, teve a participação de apostadores, que
tiveram acesso ao time africano. Uma das vozes que denunciaram aquele
esquema foi a do jornalista canadense Declan Hill, autor do livro Máfia no Futebol (The Fix, 2008). E ele tem certeza: a Copa de 2014 sofrerá do mesmo mal.
— As seleções africanas continuarão sendo alvo dos apostadores e da
máfia do futebol enquanto os seus dirigentes seguirem tratando mal os
seus jogadores. Quando as confederações locais pararem de explorar os
seus atletas, nós veremos os arranjos pararem. O que vemos hoje é um
preconceito europeu ao fato de que na Ásia está o mercado de manipulação
e compra de jogos. Falta vontade política para resolver o problema.
Hill concedeu entrevista exclusiva ao R7 e levantou a
tese de que nem mesmo Copas do Mundo estão a salvo de mafiosos e
criminosos envolvidos no futebol. Segundo ele, em pelo menos 60 países
existem provas de que partidas arranjadas foram jogadas, em várias
ocasiões com a participação dos próprios jogadores que estavam em campo.
Mas o pior, segundo ele, é a falta de vontade de quem dirigente o
futebol — Fifa, Uefa e demais confederações continentais — de resolver a
questão.
— Nós poderíamos parar facilmente 90% da corrupção e dos arranjos no
esporte. As autoridades sempre dizem que “não podemos fazer nada, a
corrupção é inevitável”. Não acreditem neles, é possível parar tais
criminosos (...). A Uefa e a Fifa estão engajadas em um “teatro” no
momento, fingindo que estão fazendo alguma coisa a respeito, mas são
apenas palavras, sem nenhum ato.
Mais vozes ecoam contra a corrupção no exterior
Declan Hill não é uma voz solitária. No exterior, a lista de
jornalistas especializados na cobertura do submundo futebolístico é
vasta, muito deles com atuações destacadas. O suíço Jean François Tanda
teve atuação destacada em vasculhar e trazer à tona o escândalo que
envolve a falência da ISL, então braço de marketing da Fifa. A empresa
teria um “caixa 2” para pagar propinas a cartolas dos mais graúdos,
entre eles Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e João Havelange,
ex-chefão da Fifa.
Tanda crê que a ganância é um mal tão grande quanto o mundo das
apostas e arranjos da bola, e é ela que incita jogadores, dirigentes,
técnicos e árbitros a se envolverem com a corrupção fora das quatro
linhas. Além da atuação que Uefa e Fifa “dizem fazer”, o suíço vê
problemas na apuração do que já se conhece na área.
— A cooperação entre a Interpol ou o sistema anticorrupção da Fifa
não é mais do que aparência. Na verdade, quem manipula jogos é bandido.
Não é papel da Fifa ou da Uefa pegá-los, mas sim da polícia. Por isso, a
meu ver, nem polícia ou Interpol deveriam aceitar doações da Fifa, até
para manter a sua real independência.
Outro que bate forte na Fifa é o britânico Andrew Jennings, autor de publicações como Jogo Sujo (Foul! Secret World of Fifa,
2007). Diretor do site Transparency in Sports, Jennings esteve no
início deste mês no Brasil para o MediaOn – Seminário internacional de
jornalismo online, e alertou para o fato de que o País pode estar
virando a “República da Máfia”.
— Dizem que fazem isso [a Copa de 2014] pelo prazer dos jogos. Isso
não quer dizer nada, que besteira, não me faça vomitar. Procurei a
definição de crime organizado. Eles são a máfia. Eles não querem falar
disso como se fosse um fato. Eles preenchem todos os requisitos de crime
organizado. Tem o chefão, o enriquecimento por atividades criminosas
etc. O dinheiro entra e desaparece.
Manipulação de jogos: dicas do que fazer ou não
Aparentemente, o quadro já visto antes, durante e depois das Copas de 2006 e 2010, não intimida as autoridades brasileiras. Ao R7,
o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, afirmou que o Brasil está engajado
em fazer a “melhor Copa do Mundo já vista”, e que não pode “fazer
previsões” sobre coisas como manipulação de resultados.
— Não posso comentar sobre investigações [em outros Mundiais]. No
Brasil já tivemos incidentes de corrupção no futebol [como a Máfia do
Apito, em 2005], mas não nos cabe fazer previsões. Vamos buscar fazer o
melhor no que tange a nós, sempre dentro da lei.
Outros parecem mais preocupados. O antigo membro do COB, Alberto Murray Neto, destacou em outubro deste ano, durante um seminário intitulado “Mega-eventos e Democracia: Riscos e Oportunidades", que os brasileiros correm o risco de "ver o maior escândalo de corrupção da história do País”, caso a população e as autoridades não fiquem atentas aos preparativos e desenrolar da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.
Outros parecem mais preocupados. O antigo membro do COB, Alberto Murray Neto, destacou em outubro deste ano, durante um seminário intitulado “Mega-eventos e Democracia: Riscos e Oportunidades", que os brasileiros correm o risco de "ver o maior escândalo de corrupção da história do País”, caso a população e as autoridades não fiquem atentas aos preparativos e desenrolar da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio.
O ex-jogador e hoje deputado Romário (PSB-RJ) é outro que vê algo de
podre no ar. Ele segue articulando no Congresso Nacional o pedido de CPI
para investigar a CBF. O tema deverá ter desdobramentos no próximo ano,
mas quem vê o quadro brasileiro de longe ainda teme pelo pior,
sobretudo ao saber da descrença por aqui. Declan Hill é um deles.
— Por exemplo, aqui no Canadá a manipulação já chegou [ao futebol].
Houve um caso organizado por uma gangue croata em uma das menores ligas
locais. A mensagem aos brasileiros é que se há criminosos arranjando
partidas aqui, onde o esporte não é grande, certamente pode haver algo
mais forte no Brasil.
Se tivesse que dar um conselho às autoridades do País, o jornalista
canadense atacaria o que ele chama de “raiz do problema”: os pagamentos
aos que entram em campo com a camisa de suas seleções. Mas o raciocínio
também deveria valer aos campeonatos locais.
— Baixem os pagamentos aos jogadores. Seria a primeira coisa a fazer.
Cada time profissional aí deveria depositar a soma de todos os salários
em uma conta antes do início da temporada. Então haveria checagens
[feita pelas autoridades] a cada duas semanas. Paguem os salários e 90%
da corrupção irá parar. Na Copa, é impressionante que existam jogadores
que não são pagos! É a primeira coisa que deveria ser mudada pela Fifa e
pelos organizadores. É o maior torneio do planeta e alguns jogadores e
técnicos não são pagos, é impressionante.
Jean François Tanda vai pela mesma linha e diz que o caminho, já
antes do Mundial, é “seguir o rastro do dinheiro”, empregado desde a
concepção até a conclusão da Copa de 2014. O pior aspecto, em meio aos
indícios de que a corrupção possa entrar em campo com alguma seleção
nacional, é a reputação do esporte estar em risco.
— Acho que as apostas não causem danos, mas sim a reputação das
pessoas que as comandam, ao passo que a manipulação de resultados
destrói a fé em uma competição justa. E isso independe de onde a
competição esteja sendo disputada, seja nos EUA, na Alemanha, na África
ou no Qatar, por exemplo.
Do:R7