Pois é, falavam tanto que o brasileiro era passivo, acomodado, só
pensava em futebol, festa e carnaval que as manifestações pegaram todos
de surpesa. E, quando se fala de surpresa, inclui-se governantes,
classe e partidos políticos, imprensa e polícia. Parece que ninguém foi
capaz de antever o movimento que começou com uma pressão para rever o
reajuste das passagens dos ônibus urbanos e do metrô em São Paulo e se
espalhou como um rastilho de pólvora por todo o país.
Agora, depois da eclosão do movimento, começam as trocas de acusações
entre políticos, gente que quer apadrinhar-se do fato e ficou exposta a
falta de tato das autoridades e das polícias para se lidar com
manifestações populares. A polícia divide-se em dois extremos – ou desce
o cacete indiscriminadamente ou fica passiva diante de atos de
vandalismo -, enquanto os políticos assumem que é preciso ouvir a voz
das ruas e pregam mudanças. O problema é que, na opinião do povo, quem
deve mudar são eles.
Os analistas também não ficam atrás. Perplexos, ficam acusando-se
mutuamente. Os conservadores dizem que os baderneiros são os
“esquerdistas”, enquanto os setores mais liberais colocam a bagunça na
conta dos “direitistas”, como uma estratégia para desestabilizar o país e
ganhar o poder na marra, visto que perderam nas urnas para “o partido
esquerdista que está governando para o povo”.
Na verdade, todos estão equivocados. É verdade que o Movimento Passe
Livre (MPL), que deflagrou o processo, foi criado por petistas e setores
mais à esquerda. O problema é que ele foi montado para criar
dificuldades em São Paulo para os poderes constituídos com objetivo de
desacreditar o governador Geraldo Alckmin e consequentemente conquistar o
governo do estado mais rico da nação, considerado o último bastião a
ser derrubado. De quebra, atacaria também o então prefeito Gilberto
Kassab, aliado de José Serra, considerado o diabo em forma de gente para
os petistas.
As eleições municipais, no entanto, alteraram o roteiro. Fernando
Haddad, do PT, tornou-se prefeito e o partido obteve um grande trunfo ao
vencer a capital paulista com um político que vem sendo preparado para
assumir postos maiores na política nacional. Porém, ao anunciar o
reajuste da tarifa municipal em conjunto com o governador Alckmin que
aumentou o preço da tarifa do metrô, Haddad entrou na mira do MPL que
saiu às ruas para fazer pressão pela redução das tarifas. Como alguns
manifestantes exageraram na pressão, a repressão policial foi dura e
chocou a população brasileira. A consequência disto, todo mundo sabe
qual foi.
Como os brasileiros já estavam irritados com a situação do país,
houve a explosão. Portanto, de nada adianta dizer que as manifestações
são coisas de direita ou de esquerda – denominações que estão em desuso,
sobretudo depois da ascensão do PT ao poder. O autodenominado Partido
dos Trabalhadores traiu seus princípios e hoje é um dos participantes do
festim associando-se ao partidos “de direita para garantir a
governabilidade”. Assim, o vice-governador de São Paulo Guilherme Afif
Domingos também se tornou ministro do governo de Dilma Rousseff, que tem
como vice Michel Temer, do PMDB. Ou seja, a política nacional tornou-se
uma geleia geral que somente serve para confundir os eleitores.
Não é à toa que os manifestantes estão repelindo a intrusão de
partidos políticos nas manifestações com o claro objetivo de faturar
eleitoralmente. Ora, se o povo está exatamente criticando a politicagem
como poderia permitir que partidos políticos se aliassem às
manifestações? Nas ruas, os manifestantes pedem fim da corrupção,
reforma política, mais segurança pública, hospitais dignos,
medicamentos, educação de verdade e ética. Algumas bandeiras de luta
acabam conflitando nas causas sociais, quando o grupo de manifestantes
tem prioridades diferentes em relação ao aborto, homossexualismo e
diminuição da maioridade penal, entre outros itens.
Quem parece ter entendido a mensagem do povo foi o senador Christovam
Buarque. Ele também está pedindo o fim dos atuais partidos e uma
reforma política. Aliás, esta deve ser a receita para o Brasil se
reinventar. Hoje, criam-se partidos com muita facilidade e políticos
trocam de legendas como trocam de camisas. Não há princípios
programáticos nem projetos para melhorar o Brasil.
O que existe simplesmente é o projeto de poder. O PT faz qualquer
coisa para se manter no poder e os partidos lhe dão apoio em troca de
cargos. Assim não é de estranhar que o governo de Dilma Rousseff tenha
39 ministros. Será que se precisa de tantos ministérios para se governar
um país? Na verdade, isto só atrapalha, porque são muitas pastas com
diferentes prioridades e verbas para gabinetes, ajudando a diluir o
orçamento federal. Ou seja, sacia-se a sede dos políticos por cargos e
verbas em troca de votos no Congresso e tempo na televisão para a
campanha eleitoral, mas frustra-se a ansiedade do povo por soluções
básicas, como saúde, educação, justiça e segurança pública. Hoje, no
Brasil, ser corrupto é fácil. Rouba-se, mas não se é punido. Portanto,
por que as pessoas vão deixar de fazê-lo? A única coisa que impede um
sujeito de ser corrupto é sua ética pessoal.
O ideal seria extinguir todos os atuais partidos políticos e recriar
no máximo cinco siglas com programas que acomodem as diferentes
ideologias. Deveria haver um partido de ultraesquerda (formado pelos
dissedentes do PT); um de centro-esquerda (PT), um de centro (PSDB), um
de centro-dirieta (PMDB) e outro de ultradireita (juntando os
conservadores). Pelo menos, o eleitor saberia a diferença entre eles.
Ou a classe política entende o recado das ruas ou corremos o risco de
voltarmos ao tempo de trevas com o ressurgimento da ditadura. Ainda é
tempo de mudar, mas os ponteiros do relógio estão andando bem depressa
para os acomodados e espertos de plantão.
autor deste artigo Antonio Tozzi