A Polícia Federal (PF) ainda investiga a onda de boatos que levou
milhares de brasileiros a uma corrida aos bancos, para sacar os
benefícios do programa Bolsa Família, o mais popular do governo
federal. Mas os resultados da busca por responsáveis por um ato
criminoso desta envergadura permanecem irrisórios. Em uma série de
erros, com a divulgação de suspeitos sem qualquer comprovação, a Caixa
Econômica Federal (CEF) foi retirada da lista de vítimas e transferida
para a relação de suspeitos, o que ampliou o desgaste do Palácio do
Planalto. Ainda assim, a hipótese sobre o envolvimento de uma central de
telemarketing na difusão dos boatos perdera força, com a alegação da PF
de que a informação não procede.
“Desde o início das apurações, a PF não descarta nenhuma linha
investigativa no inquérito que apura os boatos envolvendo o Programa Bolsa Família”, diz o texto de uma nova nota distribuída pela PF.
A informação sobre a central de telemarketing no Rio teria partido do
gabinete do diretor-geral, Leandro Daiello, na semana passada e a PF
chegou a afirmar que estava de posse de uma gravação com as mensagens
supostamente espalhadas pela central. A mesma informação foi divulgada
em Brasília e em São Paulo, um dia antes da revelação de que dirigentes
da Caixa mentiram sobre a data da liberação do dinheiro do Bolsa
Família.
O jornalista Fernando Brito, no Tijolaço (uma página na internet),
acrescenta uma crítica ao trabalho da PF e ao comportamento da área de
Comunicação Social do governo Dilma.
“A ‘apuração’ da origem dos boatos que geraram a corrida aos
terminais de pagamento da Caixa para sacar os benefícios do Bolsa
Família vai se tornando, com o patrocínio da mídia, a cada dia mais
digna do Inspetor Clousaeu, o personagem impagável de Peter Sellers no A
pantera cor-de-rosa. Agora, segundo (o diário conservador paulistano
Folha (de S. Paulo), teriam descoberto que a ligação partiu de uma
central telefônica clandestina no Morro do Alemão, no Rio, para um
telefone que estava desligado pela operadora”, afirma Brito.
E continua: “Calma, querido leitor, não estou delirando. Vou
transcrever a Folha: ‘Investigadores que apuram o envolvimento de
empresa de telemarketing no Rio no caso descobriram que um beneficiário
do programa recebeu a suposta ligação em uma linha telefônica ilegal,
procedente do morro do Alemão. A linha irregular cria obstáculos para o
rastreamento da chamada. Para os investigadores, a suspeita é que o
telefonema tenha sido feito por uma central comunitária instalada na
favela. Uma operadora informou à PF que o telefone do beneficiário
cadastrado no Bolsa Família estava desconectado por falta de pagamento”.
“Quer dizer que temos agora um ‘gatofone’, como a ‘gatonet’, sem
número ou assinante? Bom saber, pois com as tarifas do jeito que são, o
povão vai adorar. E o telefone que recebe chamada mesmo cortado? Uau,
queremos um destes, nunca mais pagamos uma continha sequer.
Melhor que isso só repórter que não pergunta e polícia que não descobre crime político por causa da politização”, critica.
Melhor que isso só repórter que não pergunta e polícia que não descobre crime político por causa da politização”, critica.
Mais versões
Para o o jornalista Kennedy Alencar, comentarista da rádio CBN, que
integra o sistema da Rede Globo, e colunista da mesma Folha de S. Paulo,
agora a PF investiga pastores evangélicos “como suspeitos de espalhar
os boatos recentes sobre o fim do Bolsa Família”. Alencar sublinha que
umas das linhas de investigação, que coloca os pastores como suspeitos
de espalhar o boato, poderia ter a relação com a atual “problemática
entre o PT e as igrejas evangélicas”.
“Há uma suspeita de que pastores evangélicos teriam começado o boato,
porque o PT teria se relacionado muito mal neste momento com as igrejas
evangélicas. Mas o governo não quer assumir enquanto não tiver
evidência”, disse Kennedy Alencar. Ele destacou, ainda, a suposta
indisposição do governo com as lideranças evangélicas, por conta das
polêmicas e protestos contra o pastor e deputado Marco Feliciano (PSC),
na presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Até a
indicação do jurista Luiz Roberto Barroso para ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) serviu de argumento para o cronista político
sustentar sua tese, na qual a escolha da presidente Dilma Rousseff por
Barroso teria merecido críticas do pastor Silas Malafaia. O pastor teria
criticado a escolha de Barroso por defender que a atuação dele seria
contrária aos princípios defendidos pelos evangélicos.
Entre os fatores que podem ter contribuído para o caso, Alencar
aponta erros internos da caixa e a politização do programa pelo governo.
No programa de rádio, Alencar avaliou que a Caixa contribuiu para a
confusão ao antecipar pagamentos sem aviso e que a Polícia Federal
acredita que haja algo de doloso nos fatos e investiga uma empresa de
telemarketing do Rio de Janeiro. Segundo o jornalista, os tumultos
aconteceram em regiões onde se concentram o maior número de beneficiados
e existe a suspeita da PF que os pastores tenham tido acesso à
informação de que o governo anteciparia os pagamentos e teria repassado
para a população, o que resultou nos tumultos.
Mídia irresponsável
Para o advogado Eduardo Guimarães, titular do Blog da Cidadania,
porém, “todos têm direito a ter qualquer opinião sobre qualquer coisa. E
se o que pensamos sobre qualquer assunto não for injurioso,
difamatório, calunioso ou preconceituoso contra pessoas ou instituições,
temos o direito de difundir publicamente. Só não temos o direito de
apresentar nossas convicções como fatos. Fazer isso é trapaça, pura e
simplesmente”.
Ele lembra que “difundir um boato sobre extinção do Bolsa Família não
poderia interessar ao governo federal, mas interessaria à oposição”. E
pensa, também, “que a antecipação do pagamento do benefício pela Caixa
Econômica Federal não poderia fazer os beneficiários concluírem,
autonomamente, que isso significaria a extinção do programa social”.
Guimarães acentua que os beneficiários do Bolsa Família somam 13
milhões de famílias, ou cerca de 50 milhões de pessoas. “Estima-se que
metade desse contingente – pais e a mães dessas famílias beneficiadas –,
vota. A mera suspeita de que o governo Dilma iria extinguir o programa
por certo causaria revolta contra si em cerca de 1/5 do eleitorado
brasileiro. A oposição, no entanto, teria muito a ganhar caso fosse
instilada tal dúvida nesse expressivo naco do eleitorado. Se cerca de 25
milhões de pessoas se indispusessem de forma tão veemente contra o
governo, desapareceria, do dia para a noite, a vantagem que elegeu Dilma
Rousseff em 2010. Por fim, a teoria ventilada por setores da oposição e
da grande mídia de que o governo espalharia o boato para depois
desmenti-lo e de que, assim, mostraria aos beneficiários a importância
do benefício que lhes paga, é ainda mais inverossímil”.
“Por que o governo julgaria que os beneficiários do programa não valorizam sua importância?”, questionou o blogueiro.
De acordo com o texto de Guimarães “a possibilidade de o governo ter
sido o autor do boato cai por terra diante de matéria do portal UOL
divulgada na semana passada que mostrou que mesmo após os veementes
desmentidos do governo algumas famílias entrevistadas afirmaram que
ainda não acreditavam que o programa Bolsa Família não iria acabar.
Sejamos francos: dizer que o governo levantaria dúvidas sobre a
continuidade do programa apesar de ser facilmente imaginável que pessoas
tão humildes, como mostra a matéria supracitada, poderiam demorar a
acreditar que não é verdade que o benefício seria extinto, é uma literal
sandice”.
“Resta, então, a teoria de que a antecipação do dia de pagamento do
benefício pela Caixa fez os beneficiários concluírem, por si sós, que
isso significaria que o Bolsa Família iria acabar. A teoria que se
tornou consenso em toda a grande imprensa brasileira e que a oposição já
trata como fato inquestionável afirma que, em 24 horas, alguns
beneficiários que conseguiram sacar o dinheiro antes foram capazes de
espalhar por 12 ou 13 Estados – mas não em todos os 26 Estados
brasileiros – que o programa social seria extinto. A teoria de que a
culpa pelo pânico é da antecipação do pagamento do Bolsa Família
tampouco se dá ao trabalho de explicar por que, se essa antecipação
ocorreu nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal, só em 12 ou 13
Estados ocorreu o pânico. E por que só houve pânico nos Estados do
Norte e do Nordeste e na Baixada Fluminense”.
“Essas dúvidas são mais do que suficientes para obrigar qualquer
analista sério a no mínimo não tratar essa versão como fato. Ou seja:
quem está tratando essa suposição sobre o pânico dessas famílias como
fato está tentando enganar a sociedade, está mentindo. A conduta
esperável de um grande meio de comunicação ou de um jornalista de renome
ou de um líder político de expressão é a de aguardar a conclusão da
investigação do ocorrido pela Polícia Federal, conclusão que, inclusive,
poderá ser posta em dúvida se não vier revestida de provas
inquestionáveis. Mas só após ser conhecida. Contudo, a seriedade obriga a
reconhecer que pessoas que têm posições que as obrigam a ter
responsabilidade no tratamento de um caso assim e que não poderiam se
antecipar e difundir conclusões como verdades absolutas, infelizmente
não estão só na oposição e na mídia oposicionista”, acrescentou.
Erro de comunicação
Guimarães cita, ainda, o fato de que “os jornalistas de grandes meios
de comunicação e os políticos de oposição estão difundindo como fato
inquestionável a versão sobre a culpa pelo pânico ser da Caixa”, mas a
ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário,
“foi a primeira a se aventurar em difundir conclusões precipitadas,
acusando a oposição. Um blogueiro ou um colunista de um grande jornal
até podem expor suas opiniões no sentido de que possa ter ocorrido isso
ou aquilo, mas políticos da oposição e autoridades do governo, nunca.
Têm obrigação de, no mínimo, esperar o fim da investigação da Polícia
Federal”, repreende.
“O principal pré-candidato de oposição a presidente da República, o
senador tucano Aécio Neves, e a ministra Maria do Rosário, por exemplo,
agiram muito mal. Contudo, a ministra deu apenas UMA declaração pelo
Twitter e, inclusive, recuou da declaração. Errou? Sim, errou. Agora, o
que Aécio Neves está fazendo é vergonhoso. Aécio está culpando
pessoalmente sua provável adversária na eleição do ano que vem e
exortando-a a “pedir desculpas” pelo que ainda ninguém sabe se de fato
aconteceu. Ele está sendo incrivelmente irresponsável. Está fazendo
politicagem, não pode fazer as afirmações que está fazendo. Está
mentindo”, repara.