Há exatos vinte anos, em uma sexta feira, quando estava tomando café para ir ao trabalho, ouvi e vi na TV o Apresentador Renato Machado da rede Globo de Televisão, noticiando a morte do líder da Legião Urbana, lembro-me como se fosse hoje, fiquei bastante triste e peguei uma fita cassete coloquei em um aparelho de som e ouvi várias músicas, mas em especial "Pais e Filho e Monte Castelo", que repeti por várias vezes seguidas.
"Renato Russo foi mais do que um sobrevivente da explosão do rock
nacional dos anos 80. Autor de todas as letras do Legião Urbana e homem
de frente nos shows da banda, ele desenvolveu uma notável habilidade
para traduzir as emoções e a inquietude dos jovens brasileiros de mais
de uma geração".
"Seu público atual não era feito de trintões e quarentões
nostálgicos, mas de adolescentes para os quais as mensagens de Russo
continuavam a ser palavras de ordem. Em suas letras e interpretações,
falava de amor como os jovens gostariam de saber falar. Bradava contra a
miséria familiar como seu público gostaria de fazer na sala de jantar
de casa. E, quando virava seu olhar para o governo e os políticos,
enunciava opiniões às vezes extremadas, às vezes ingênuas, mas sempre
raivosas. Esse era o segredo de sua popularidade".
Renato Russo morreu à 1h15 da madrugada de sexta-feira, vítima de
complicações pulmonares e renais decorrentes da Aids. Aos 36 anos,
desapareceu como um dos mais bem-sucedidos artistas da MPB dos últimos
quinze anos, com 5 milhões de discos vendidos. Calava-se o artista
rebelde que com versos e rock nomeou a sujeira e o vazio de sua época.
Em suas letras e interpretações,
falava de amor como os jovens gostariam de saber falar. Bradava contra a
miséria familiar como seu público gostaria de fazer na sala de jantar
de casa. E, quando virava seu olhar para o governo e os políticos,
enunciava opiniões às vezes extremadas, às vezes ingênuas, mas sempre
raivosas. Esse era o segredo de sua popularidade.
A edição de VEJA de 16 de outubro de 1996 destacava cinco frases ditas pelo cantor ao longo daquele ano, segundo relato dos amigos.
- Em janeiro: “Quando chegar aos 50 anos, vou escrever meu livro”.
- Em julho: “Depois desse trabalho (referindo-se ao último disco, A Tempestade), eu quero descansar”.
- Dois meses antes de sua morte: “A morte está perto e quero aproveitar ao máximo este momento para aprender com a própria vida e com a morte”.
- Um mês antes: “Quando eu tomo o coquetel (de AZT e outros) é como se tivesse comendo um cachorro vivo. E o cachorro me come por dentro”.
- Cinco dias antes: “Estou mal e eu não posso mais nem falar”.
Poesia e contestação se fundem num resultado muitas vezes
desconcertante na obra deixada por Renato Russo. Para dar vazão a seu
universo conflituoso, Renato tomou emprestados versos de Camões,
descreveu amores absurdos, passou lições de moral. Às vezes foi também
repetitivo e até um pouco canastrão. Mas sempre manteve o controle sobre
sua carreira, indiferente ao mito criado pelo fanático público da banda
que ele liderou. O Legião Urbana era do contra — vendeu seus 5 milhões
de discos sem nunca ter adotado procedimentos recorrentes da indústria
fonográfica. Jamais quis tocar em festivais patrocinados por grandes
empresas. Raríssimas vezes compareceu a programas de auditório em que
seus colegas de profissão batem cartão para empurrar as vendas de
discos. Raramente fazia shows e dava de ombros para os gêneros musicais
em voga no mercado. Não usava o surrado recurso baiano de inventar
polêmicas na imprensa sempre que lançava um disco. Adotou uma postura
que nenhum outro artista ou grupo arriscaria. Talvez por isso tenha
preservado sua autenticidade e carisma.
Renato Russo escreveu alguns dos hinos da geração roqueira dos
anos 80. Será, música tocada em literalmente todos os shows do Legião
por exigência dos fãs, Ainda É Cedo, Tempo Perdido, Pais e Filhos e uma
dezena de outras canções que arrebataram o coração de estudantes. O
estilo musical do grupo foi definido no álbum Dois, de 1986. O disco
vendeu mais de 1 milhão de cópias e emplacou vários sucessos nas rádios,
obrigando as emissoras a colocar no ar uma música de quase oito minutos
— Eduardo e Mônica —, o que é totalmente fora dos padrões radiofônicos.
Se com o grito de protesto Renato excitou a juventude, sua maior
contribuição viria com a maturidade de seus versos. Isso fica claro no
disco As Quatro Estações, de 1989. É nele que estão as letras mais
densas de Renato, e também onde ele revela suas fontes de inspiração —
um anônimo hindu, a Bíblia, Bukkyo Dendo Kyokai, Luís de Camões, entre
outros. “O resultado da música que ele fez sobre o soneto de Camões é
belíssimo, além de ser um procedimento pouco usual no ambiente do rock”,
diz o compositor e professor de letras José Miguel Wisnik.
Texto da Revista VEJA.